Hoje em dia, o cinema é frequentemente reduzido a um produto mercadológico, como frequentemente lamentou o cineasta Andrei Tarkovsky. Ele afirma que “a trajetória do cinema rumo à autoconsciência sempre foi dificultada por sua posição ambígua, entre arte e indústria” (Tarkovsky, Esculpir o Tempo, p. 158). O cinema atual, muitas vezes descrito como “McDonald’s™”, elimina qualquer possibilidade de reflexão e mantém um ciclo narrativo de “jornada do herói”, resultando em tramas superficiais. Tarkovsky nos lembra que “nenhum artista trabalharia para cumprir sua missão espiritual se soubesse que sua obra jamais seria vista” (Idem, p. 204). Essa falta de reflexão mantém um padrão de “mais do mesmo”.
Em Solaris, Tarkovsky expressa que “não precisamos de outros mundos. Precisamos de um espelho” (Tarkovsky, Solaris). O cinema, como arte profunda, pode gerar conversões interiores, intelectuais e espirituais. Infelizmente, o que prevalece é um cinema que explora a sensualidade e o lado mais baixo do ser humano, relegando a arte a mero entretenimento. Tarkovsky afirma que “o artista é sempre um servidor” que busca pagar pelo dom que lhe foi concedido, enquanto o homem moderno evita sacrifícios, essencial para a verdadeira afirmação do eu (Idem, p. 41).
Para recuperar o cinema em sua essência mais profunda, devemos considerar a vocação do cinema: “ele nasceu para dar expressão a uma esfera específica da vida, cujo significado ainda não encontrara expressão em nenhuma forma de arte existente” (Idem, p. 95). Por exemplo, em Taxi Driver, de Scorsese, o protagonista se olha no espelho, simbolizando sua dissolução pessoal ao lançar uma aspirina na água, representando a fragilidade da sua identidade. Em Solaris, a cena do quarto de infância de Kris Kelvin, inundado de água, evoca a fluidez da memória e a turbulência emocional. Essa água simboliza como o passado molda nossas experiências presentes, refletindo a luta interna de Kelvin entre realidade e lembrança.
A alegoria da Caverna de Platão também pode ser relacionada a Solaris, onde Kelvin é confrontado com as projeções de sua mente, assim como os prisioneiros da caverna são enganados pelas sombras. A tensão entre realidade e ilusão, explorada por Tarkovsky, questiona nossa capacidade de enfrentar verdades internas.
Em suma, o cinema é essencialmente narrativa e deve transmitir uma visão de mundo. Tarkovsky, como grande diretor, supera limitações criativas, fazendo ecoar sua mensagem sobre a condição humana. A tensão entre autor e diretor, como no caso de Solaris, exemplifica como a adaptação pode gerar novas narrativas que transcendam a obra original.
Por fim, vivemos em uma sociedade que valoriza o movimento em detrimento da reflexão. As distrações modernas transformam a arte em mero entretenimento, apagando a capacidade crítica que o cinema deveria possuir. Wilson Roberto Vieira Ferreira, em O Caos Semiótico, argumenta que a Indústria Cultural molda a percepção estética a tal ponto que os indivíduos se tornam observadores distantes de suas próprias vidas, perdendo a profundidade emocional e a capacidade de reflexão.
Tarkovsky, em seus filmes, nos lembra da importância da profundidade. A presença da listra branca no cabelo, fazendo referência ao Cristo ressuscitado, de seus protagonistas simboliza a consciência do destino, refletindo a sabedoria e o fardo que carregam. Em um mundo superficial, a obra de Tarkovsky é um chamado à reflexão e à redescoberta da profundidade humana.
Luigi Falcon
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