MESMO COM DESASTRES, ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA AINDA NÃO É PRIORIDADE EM MUNICÍPIOS NO BRASIL

Enchentes no RS reforçam a necessidade de uma revisão das infraestruturas urbanas e
seus riscos climáticos, mas municípios ainda tropeçam quando o assunto é adaptação.

As chuvas históricas que inundaram boa parte do Rio Grande do Sul neste mês não foram o
primeiro desastre recente causado por eventos climáticos extremos no Brasil. Mas elas
precisam ser o ponto de inflexão para que o poder público, especialmente nos municípios e
nos estados, acorde definitivamente para a vulnerabilidade de nossas cidades ao clima
extremo.

O quadro é crítico. Como destacou a Agência Senado, dados da Plataforma Adapta Brasil,
do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), indicam que 3.679 municípios
brasileiros – cerca de 2/3 do total nacional – têm baixa ou baixíssima capacidade adaptativa
para desastres geohidrológicos. Esses municípios estão particularmente vulneráveis a
eventos extremos, mas mesmo aqueles que possuem uma capacidade mais razoável de
adaptação podem se ver impotentes em meio a um desastre como o do RS.

“Ali no Rio Grande do Sul, a parte sul do mapa mostra que esta era uma região com
capacidade razoável de adaptação à mudança do clima. E olhe o que a gente está
vivenciando”, destacou Ana Toni, secretária nacional de mudança do clima do Ministério do
Meio Ambiente (MMA), em audiência no Senado. “Imagine [o impacto] nos estados do
Norte, muitos do Nordeste e do Centro-Oeste [onde a capacidade é baixa ou baixíssima]. A
nossa capacidade adaptativa é muito falha”.

O Globo destacou uma pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) que
identificou que apenas 22% dos gestores em nível municipal consideram que suas cidades
estão preparadas para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. A principal lacuna está
na falta de capacidade técnica e financeira.

“O estudo também indica que 68% dos municípios relatam nunca terem recebido recursos
de estados ou do governo federal para atuar na prevenção às mudanças climáticas, o que
contribui para a falta de adaptação e preparação, deixando-os mais vulneráveis”, afirmou
Paulo Ziulkoski, presidente da CNM.

A urgência da adaptação climática também foi reiterada pelo climatologista Carlos Nobre. “A
adaptação ficou em segundo plano, mas se tornou urgente. Os desastres estão vindo mais
depressa. Os extremos explodiram. E a adaptação está atrasada. O Brasil teve avanços
significativos em cortes de emissões e caminha positivamente nessa área, mas adaptar é
uma emergência”, disse ao Valor.

SC TAMBÉM PRECISARÁ DISCUTIR MUDAR CIDADES DE LUGAR PARA PROTEGER AS
PESSOAS DO CLIMA EXTREMO

Os relatórios globais sobre os locais mais vulneráveis aos fenômenos climáticos extremos
colocam o Rio Grande do Sul e Santa Catarina como os dois estados mais sensíveis no Brasil

A tragédia no Rio Grande do Sul levantou nas últimas semanas a obrigatoriedade de uma
discussão difícil, mas necessária, sobre mudar de lugar cidades inteiras em razão dos riscos
climáticos – e Santa Catarina terá, mais cedo ou mais tarde, que fazer a mesma reflexão.

Depois da região Sul do Estado, afetada pelas cheias que também atingiram os gaúchos, neste
fim de semana é o Vale do Itajaí que volta a sofrer com enchentes, que estão cada vez mais
constantes.

Os relatórios globais sobre os locais mais vulneráveis aos fenômenos climáticos extremos
colocam o Rio Grande do Sul e Santa Catarina como os dois estados mais sensíveis no Brasil. A
mesma avaliação consta na análise requisitada pelo Ministério da Integração e Desenvolvimento
Regional a diferentes universidades no país, para estabelecer os parâmetros do Plano Nacional
de Defesa Civil.

Uma série de fatores contribui para que os períodos de chuvas sejam mais intensos por aqui. A
maioria dos municípios de Santa Catarina cresceu na beira de rios – e alguns ocupam grandes
áreas alagáveis e geograficamente dispostas como uma espécie de bacia, onde a água sobe
rapidamente e fica retida. O resultado são as grandes enchentes.

Isso provoca situações dramáticas, como a que foi relatada na reportagem da colega Nathalia
Fontana, que conta o drama de uma moradora de Rio do Sul que perdeu tudo na enchente de

  1. Ganhou uma nova casa do poder público, que foi destruída pela água em 2023. Agora,
    mora de aluguel – em área alagável e sujeita a uma nova enchente.

Nos acostumamos a dizer que o catarinense é um povo resiliente, que consegue se reerguer
diante das adversidades. Mas a frequência dos fenômenos climáticos extremos nos obriga a
refletir sobre a viabilidade de aplicar recursos públicos e privados em reconstruir as cidades nos
mesmos lugares onde elas já foram arrasadas pela água. Além do uso equivocado de verbas
muitas vezes escassas, significa risco iminente de vida para as pessoas.

Repensar nossas cidades implica em olhá-las como um todo, e entender que as enchentes não
ocorrem mais com décadas de distância umas das outras – pode não haver tempo suficiente
para se reerguer entre as tragédias, como ocorreu no RS. O cenário mudou, e é preciso
proteger as pessoas em primeiro lugar.

Esta não é uma discussão simples, e não será feita sem dor. Mas o exemplo gaúcho mostra que
é urgente.

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