Depois de passar por uma chacoalhada durante o período de isolamento social na pandemia, o terceiro setor é hoje muito mais digital do que foi há três anos. Era uma questão de sobrevivência: no momento em que ninguém saía de casa, o setor precisou substituir os eventos presenciais e as ações de sensibilização corpo a corpo por estratégias online. E deu certo: as organizações que buscaram seu lugar ao sol na era digital não apenas conseguiram sobreviver ao período, como também aprenderam muito sobre novas formas de organização e de captação de recursos.
Entre os aprendizados dos últimos anos está a necessidade de investimento em novos meios de pagamento dos valores doados. Embora o dinheiro ainda seja o método mais comum usado pelos doadores brasileiros, o uso de plataformas online cresceu, segundo o Relatório Brasil Doação 2021, organizado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social. Segundo o estudo, os pagamentos via banco digital e cartão de crédito passaram de 16%, em 2018, para 28%, em 2020, tornando-se o segundo método de doação mais comum no Brasil.
As marcas e organizações que perceberam o potencial da doação online têm investido em ações para incentivar os repasses financeiros nos diferentes formatos, inclusive por meio de carteiras digitais e troca de pontos em programas de fidelidade. O simples fato de aderir a essas novas formas de pagamento digital ajudou algumas ONGs a multiplicarem as doações nos últimos anos. Isso acontece porque essas soluções simplificam o processo de doação e alcançam novos perfis de doadores, que, até então, não eram impactados pelas ações tradicionais de captação de recursos.
Outra tendência para a filantropia na perspectiva digital são as conexões e o networking no ambiente online. Para isso, propostas de redes sociais, como o LinkedIn, e espaços de jogos online podem gerar resultados fora da curva. A ideia é que esses espaços abrem diálogo com um público diverso, que se engaja com as causas compartilhadas.
Um exemplo que ilustra esse potencial foi a doação de mais de US$ 6 milhões levantados pela empresa Riot Games, durante partidas do game League of Legends. O valor foi arrecadado através da venda de uma skin especial, que é um recurso que os jogadores usam para mudar a imagem do seu personagem com diferentes roupas, armas ou poderes.
Recentemente, outra inovação digital mexeu com as estruturas do mercado corporativo, prometendo muitas mudanças: o ChatGPT, inteligência artificial generativa desenvolvida pela empresa OpenAI. Com uma capacidade de processamento absurda e uma incrível aproximação da conversação humana, essa IA tem sido usada para trazer insights estratégicos, análise de dados e produção de conteúdos textuais.
No terceiro setor, a tecnologia pode ser usada, por exemplo, na construção de argumentos para captação de doação, ou em ações de relacionamento com o doador. É possível pedir ao ChatGPT para escrever um e-mail de agradecimento pela doação ou respostas para comentários nas redes sociais; pedir insights e referências de campanhas bem-sucedidas para doação e até usar a IA na construção de um bot que responde perguntas frequentes do público. Embora a ferramenta ainda esteja em fase de teste e apresenta alguns erros, já é possível aproveitá-la para automatizar processos e até trazer mais criatividade para algumas criações.
E esse é só o começo. Com as mudanças operacionais e culturais trazidas pelas novas tecnologias, o terceiro setor ainda precisará se redesenhar muitas vezes. O que começou com uma chacoalhada na pandemia se manterá como um movimento constante de transformação, não apenas para a sobrevivência, mas para a reinvenção de uma filantropia que alcança cada vez mais espaços e pessoas.