CRÔNICA  –  SAUDOSOS E AMÁVEIS

Saudosos e amáveis

Numa bela manhã de outono dona Esperança acorda, levanta-se, toma um delicioso banho e em seguida aprecia um saboroso café; acompanhado de suco natural de maracujá, pão integral e uma fatia de torta de limão. Elegante como sempre e nesse dia encantadora além do normal, sai para um passeio no Centro de Florianópolis. Pensava em caminhar, respirar fundo, olhar algumas lojas e ver pessoas; ah, como ela aprecia pessoas. Não imaginava, dona Esperança o que aquela manhã de segunda-feira de outono havia lhe reservado.

Assim que começa a sua caminhada pela Rua Felipe Schmidt, por volta das nove horas, com a Rua ainda dividida entre a sombra e o sol, ouve uma voz próxima:

– Bom dia, dona Esperança. Que surpresa maravilhosa iniciar o dia e a semana a encontrando depois de meses – Era o seu Bom Dia, a quem dona Esperança respondeu:

– Ah, senhor Bom Dia. Que presente especial é encontrá-lo, quero dizer, ser encontrada pelo senhor, assim, logo cedo no dia. Será que terei essa agradável companhia até a Praça XV?

– Ora, será uma honra, dona Esperança.

A caminhada segue com uma bela conversa entre os dois amigos, até que ambos ouvem:

– Dona Esperança, seu Bom Dia. Nem acredito que os encontrei – É seu Por Favor, que assim que cumprimenta os amigos os ouve dizer quase que simultaneamente:

– Seu Por Favor. Por favor, nos dê a honra de sua companhia em nossa caminhada e conversa – Seu Por Favor os cumprimenta e diz:

– Por favor, não quero interromper. Talvez estejam conversando em particular, e embora feliz em encontrar os amigos não desejo ser inconveniente.

– Ora essa, seu Por Favor – diz seu Bom DIa com agradável sorriso – sua companhia será uma honra, e o que estivermos conversando, creio eu, suas ideias só irão acrescentar.

Seu Bom Dia, embora os conheça há décadas, manifesta seus sentimentos pelos amigos: 

– Tantos anos se passaram e eu ainda fico emocionado com sua educação – Dona Esperança ergue a cabeça diz aos amigos:

– Como diz o velho ditado, essa não morre mais. Vejam só quem se aproxima, é dona Educação.

Seu Por Favor tenta ser discreto conforme seu costume, mas com receio de que a amiga não os veja fala com a voz um pouco mais elevada:

– Dona Educação. Dona Educação – Ela deixa que seus olhos procurem quem a chama e logo vê os amigos –  Que maravilhosa surpresa, por favor, nos dê a honra de sua companhia – diz com entusiasmo, seu Por Favor.

A caminhada é regada a sorrisos, elogios e uma conversa mais deliciosa do que o café da manhã de dona Esperança; ela afirmou isso. Os quatro amigos avistam ao mesmo tempo mais uma preciosidade de suas vidas:

– Vejam só – diz seu Bom Dia – é dona Gentileza – Ela os vê e aproxima-se com encantador sorriso e um brilho nos olhos que seria difícil descrever. Agora já são cinco amigos que se perdem no tempo e que por tanto tempo foram protagonistas nas vidas e vozes das pessoas. Elas os citavam mais do que personagens de famosas novelas. No dia a dia era um tal de:

“Bom dia, por gentileza, por favor, quanta educação, temos esperança”. Ainda assim os amigos se sentem tristes porque a maioria das pessoas não os percebe. Seu Bom Dia chega a dizer:

– Parece que ninguém mais nos reconhece; é como se fôssemos anônimos, ou invisíveis.

– Não pense assim, meu querido amigo – diz dona Esperança – é a correria do dia a dia; pessoas mergulhadas em suas dificuldades e a maioria não vê saída. Será que pensas que eles são maus ou mesmo felizes? Creio que nem uma coisa nem outra meu amigo.

– Dona Esperança, só a senhora mesmo para encontrar motivos para ainda sairmos por aí – diz seu Por Favor. E finalmente chegam à Praça XV de Novembro; nem sequer lembram de almoçar e só percebem como as horas passaram quando são surpreendidos por um doce:

– Boa tarde, meus amigos! 

– É dona Boa Tarde – diz seu Por Favor ao mesmo tempo em que levanta-se, toma delicadamente a mão direita da amiga e a beija só com o toque dos seus lábios. Nem ele nem ela escondem o sentimento por trás do gesto normalmente de um cavalheiro. Os outros quatro amigos se olham e nunca entenderam o que os separava, ou melhor, o que os impedia de se unirem. Talvez algum segredo, quem sabe algo lá do passado; o fato é que seus olhares e sorrisos entregavam algo bem maior do que a admiração que manifestavam um pelo outro. E admiração, respeito, carinho e honra com certeza marcam o caminho para o raro amor. E o que é o amor além de admiração, respeito, carinho e honra? Talvez eles já tivessem um caso de amor apenas nesses nobres sentimentos.

Dona Esperança, consegue minha leal amiga, ver alguma possibilidade de romance entre esses nossos dois amigos? – Pergunta seu Bom Dia. Dona Esperança ergue a cabeça, fecha os olhos, suspira fundo e responde com outras perguntas:

– Pergunta isso logo para mim? Guardo comigo esperanças de todo o tipo; mesmo quando já me entendem por louca; chegam a dizer que me tornei uma utopia. Agora, se queres saber se tenho esperanças no amor de outros quando nem sequer sei do meu? Abri mão dessa nobreza a crendo inalcançável. Creio ter-lhe revelado meu único segredo; possivelmente se levando em conta minha essência. Espero que guarde-o para sempre.

Dona Gentileza que não havia ouvido a confissão comenta com os amigos que à noite se aproxima. Com ela vem junto a senhora Boa Noite acompanhada do senhor Elogio.

Os amigos decidem sair debaixo de Velha Figueira, testemunha de todo o tipo de lágrimas, não por insatisfação, antes, para dar alguns passos a um lugar onde pudessem apreciar o céu; afinal de contas era só o início da lua crescente, que numa noite de outono brinda os olhos de quem ainda enxerga com incontáveis estrelas e fina lua que anuncia sua nova fase.

Dona Esperança diz aos amigos:

– Para muitos talvez nós tenhamos passado despercebidos ou como anônimos como disse seu Bom Dia, hoje mais cedo, assim como esse céu estrelado passará para a maioria essa noite.

– De fato, as pessoas ao longo do dia não deixaram de notar apenas a nós; não notaram que o céu era de brigadeiro, o clima delicado, à noite estrelada – diz seu Elogio e acrescenta – parabéns meus amigos. Nós até podemos estar fora de moda ou esquecidos. O importante é que nós não nos esqueçamos.

Saudosos e amáveis eles caminham juntos e passo a passo tomam rumos diferentes, mas cada um leva dentro de si a essência dos seus amigos.  

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