EXPLOSÃO DE CASOS DE DENGUE NÃO É NATURAL – É MUDANÇA CLIMÁTICA

Ciência mostra que alterações no clima impactam a proliferação da doença e alerta que o vírus deve se espalhar ainda mais pelo planeta nas próximas décadas.

No último dia de fevereiro, o Ministério da Saúde anunciou que o país chegou à alarmante marca de 1 milhão de casos prováveis de dengue registrados em 2024, com crescente número de mortes. Desde o início do ano, foram confirmados mais de 200 óbitos por consequência da doença e mais de 700 estão em investigação.

Mas esse aumento espantoso de casos não está restrito ao Brasil. Outros países da América Latina também vêm enfrentando surtos da doença, o que levou a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) a emitir um alerta epidemiológico por um aumento geral da dengue na região das Américas.

Entre os países vizinhos, o Peru já sofre com superlotação de hospitais e declarou emergência de saúde em 20 das 25 regiões do país diante do risco iminente de um surto da doença, e a Argentina registrou em janeiro e fevereiro um aumento de 2.546% no número de casos notificados em comparação com o mesmo período no ano anterior.

O cenário preocupa não apenas pelo grande número de casos, mas também pelas características inéditas que apontam mudanças nos padrões da doença que tem o mosquito Aedes aegypti como vetor. Historicamente, o Brasil costuma registrar picos de casos de dengue entre março e abril, uma curva muito diferente da que está sendo observada este ano. E a ciência é clara em apontar que a causa das alterações nos padrões e do aumento histórico de casos é a mudança climática.

A bióloga Tatiana Souza de Camargo, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que integra a equipe do Lancet Countdown América do Sul, explica que a mudança climática e seus efeitos são responsáveis pelo aumento de casos de dengue e por levar a doença a locais onde ela antes não estava presente. A pesquisadora também é Education Fellow da Planetary Health Alliance, da Universidade Johns Hopkins.

“Alterações nos padrões climáticos, como regime irregular de chuvas, períodos de seca e grande calor, seguidos de períodos de chuva com enchentes, e depois ondas de calor com temperaturas bastante elevadas, criam um ambiente muito mais propício para o mosquito, que vai conseguir sobreviver mais, se reproduzir mais e, com isso, vai infectar mais pessoas. Dessa forma, a dengue vai se espalhando.”

Ciência já mostrava aumento do risco

Tatiana aponta que o cenário vivido hoje na América Latina, agravado pela incidência do fenômeno El Niño, já tinha sido previsto pela comunidade científica em diversos estudos epidemiológicos. “Quando vemos a série histórica de dengue e sobrepomos esse número de casos por região/por ano com cenários climatológicos, vemos uma correlação entre aumento da temperatura, aumento das chuvas, de enchentes, com um aumento grande de casos de dengue. Esses estudos já existem há alguns anos e vem alertando para o crescimento da dengue.”

E não se trata apenas de previsão para o futuro. Em 2023, Itália, França e Espanha, países anteriormente livres da dengue, tiveram 128 casos da doença, parte deles de contaminação local. Esse número, apesar de pequeno em termos absolutos, representa um aumento de 80% em relação a 2022.

Outros impactos na saúde

O relatório Lancet Countdown 2023 e outros estudos científicos listam, além do aumento de casos de doenças transmitidas por vetores como mosquitos, como a dengue, outros riscos das mudanças climáticas para a saúde. Perigos que não estão sendo considerados pelos países com a seriedade que deveriam.

Segundo o documento, se não conseguirmos manter o aquecimento do planeta em no máximo 1,5°C sobre as temperaturas pré-industriais, projeta-se que as mortes anuais relacionadas ao calor aumentem em 370% até meados do século.

Outros efeitos na saúde física e também mental da população são a exposição aos eventos climáticos extremos, como enchentes, deslizamentos, desabamentos, e doenças causadas por poluição do ar em decorrência do aumento de queimadas ou continuidade da queima de combustíveis fósseis.

Por Juliana Zambelo